domingo, 30 de junho de 2013

MARCIA DENSER: "milhões de bobos alegres apolíticos e idiotizados"


Como escrever isto sem ser apedrejada?

Ainda sobre os movimentos de massa, houve entre mim e a Tania Faillace uma troca de cartas que (espero) vai explicar direitinho o título que botei na cabeça desta coluna, que segue o melhor estilo, digamos, epistolar

POR MÁRCIA DENSER, no Congresso em Foco.

MÁRCIA DENSER

Querida Tania:

 Por incrível que pareça, você tem 100% de razão a respeito dessa merda nazifascista toda, cooptada ingenuamente por alguns milhões de bobos alegres apolíticos e idiotizados pela sociedade de mercado – os consumidores que Lula viabilizou “da porta pra dentro”, faltando, infelizmente, viabilizá-los “da porta pra fora”, isto é, torná-los cidadãos conscientes – mas acontece que consumismo e cidadania não são absolutamente incompatíveis, muito pelo contrário (é preciso brigar e fazer valer tudo aquilo pagamos). Mas isso é uma outra história.

Todavia, pelas mesmas razões e por incrível que pareça, ninguém vai acreditar nessa linha de argumentação! (aliás irrefutável – para mim, que enxergo claro, que enxergo longe).

Então a pergunta que fica é, parafraseando Lenin: COMO ESCREVER ISTO?

Quer dizer, sem ser apedrejada.

Saudações, La Denser

Prezada Márcia:

O PROTESTO BRASILEIRO DA ÚLTIMA SEMANA


Nem tudo o que reluz é ouro.

A corrupção é inerente ao sistema capitalista. E se torna mais explícita em sua versão neoliberal, onde os exploradores se misturam em diversos setores econômicos (e políticos), que incluem transporte, medicamentos, produtos agrícolas, sementes, serviços ao público etc.

Com a globalização quase total das economias, já não há mais fenômenos locais, ou melhor, o que aparece como tal, na verdade são manifestações locais de fenômenos globais. Para quem vive o cotidiano dos movimentos, e não apenas se informa sobre eles, fica muito claro que as organizações populares estão sob assédio e vigilância permanente de outros interesses, ou melhor dito, do Grande Irmão. Assim, não há maior dificuldade em usar o que era, em princípio, um movimento de base, para introduzir novos elementos, que são ingovernáveis, porque suas direções e comandos estão em outros lugares. É o fenômeno clássico da infiltração – que aconteceu até na revolução soviética de 1917.

No recente caso brasileiro, as organizações de base (é mentira dizer que se tratou de um movimento anárquico, sem liderança – isso não existe na vida real, é uma piada ficcional) chegaram à medida extrema de negar seu aval ao seguimento das manifestações (uma medida de prudência e auto-conservação) e, na internet, vários personagens nitidamente ianques (belas moças, jovens robustos semelhantes a recrutas estadunidenses falando a linguagem “jovem”, incentivaram os feitos, insultando políticos (SOMENTE os políticos!), o que foi clonado no Brasil por um personagem chamado Felipe, que foi a extremos de baixo calão para representar a “revolta juvenil”.

Nenhuma proposta objetiva. Nada. Tratou-se de um cenário para preparar os espíritos ao que possa acontecer em 2014, ou seja, um outro golpe com a direção imperialista que já conhecemos, golpe explícito ou golpe branco, quer dizer, consentido.

 A Fifa é uma lavanderia de dinheiro, como se sabe, e presta serviços a todo esse mundo obscuro em que se mistura a criminalidade explícita a serviço da nova ordem mundial e as executivas transnacionais.Não se trata exatamente de uma novidade, mas essa simbiose chegou a extremos mais notáveis que nos tempos das cartas reais de corso (autorizações reais para a pirataria de mar a partir do século XV e XVI).

As Copas são bom pretexto tanto para a expansão dos negócios ilegais, como para as extorsões do setor construtivo e seus associados, junto às classes empresariais e políticas de cada Estado. A Copa de 2014 no Brasil, contudo, apresenta algumas características próprias. De cara: o absurdo de um evento esportivo dispersado por 8 milhões de quilômetros quadrados. Não é viável, economicamente nem turisticamente, não passa de um desvario. Se não o observarmos em seu avesso.

Faz alguns anos, Rachel Rolnik, brasileira que trabalha na ONU, começou a fazer um giro pelo Brasil, com a finalidade de denunciar essa negociata internacional, a qual, entre outras coisas, promoveria uma redistribuição espacial das populações urbanas.

Vários núcleos de organização e ação social já se estavam formando em todo o país, chamados comitês populares da Copa, para defender os desalojados e discutir como as coisas eram decididas e feitas. O orçamento geral que se anunciava era de 100 R$ bilhões.

Não é verdade, pois, que não havia organização popular contra as loucuras de um neoliberalismo selvagem que se instalava de Norte a Sul no Brasil, sob a cobertura da Copa. Moradores e suas associações locais e regionais, ativistas sociais e políticos de grupos formais e informais, ativistas de várias confissões religiosas, trabalharam duramente nestes últimos anos para criar alternativas de luta contra o achatamento dos direitos humanos e cívicos das populações carentes no Brasil.

 Apenas jamais obtiveram uma única linha da imprensa ou alguns minutos na TV comercial, limitando-se a uma imprensa própria, basicamente internética. São dezenas os sites de conteúdo e confecção popular no Brasil. A questão dos preços das passagens dos coletivos apresentou-se como uma oportunidade de obter visibilidade midiática para a luta popular. Com efeito. Uma cobertura, contudo, mal intencionada e mentirosa, como se tudo fosse um milagre de geração espontânea.

 O que também ocorreu, e foi subestimado pelo movimento social popular, foi seu aproveitamento por outras forças políticas, que não se identificaram, mas que nós, que conhecemos mais ou menos como as coisas funcionam, sabemos que se trata de grupos marginais (ou não tanto) a serviço da direita e do poder econômico, provavelmente incentivados por empresários do setor. (Observe-se que foi queimado um ônibus público e nenhum privado; que foram queimadas lojas de rua, populares, nenhuma grande rede comercial).

Alguns oportunistas trataram de obter dividendos políticos na internet, acusando somente a classe política brasileira, proferindo palavrões e insultos e ocultando totalmente a questão central: o modelo neoliberal selvagem que nos foi imposto desde o governo Fernando Henrique e suas malditas privatizações.

Essa intervenção, não há como enganar-se, não foi uma inspiração do momento. A infiltração imperialista nos movimentos sociais para conhecê-los por dentro e a fundo, e saber como fazer sua neutralização, é velha.

A Copa foi pretexto para disseminar por todo o território nacional os agentes de segurança e informação das forças que sabemos. O objetivo perseguido – além dos investimentos absurdos feitos obrigatoriamente pelo governo – é a intromissão na Constituição brasileira. Os congressistas, por menos dignos de confiança que nos pareça a maioria deles, ainda hesitam em permitir a imposição de uma lei antiterror, inspirada ou ditada pelas leis norte-americanas.

Nada como um pouco de confusão para acelerar certas medidas. Mussolini e outros já praticavam essa estratégia. Não existem movimentos espontâneos y sem organização na vida social – mesmo tendo começado numa mesa de bar ou cozinha doméstica. Isso é praticamente impossível. Mas pode haver movimentos cujas direções não se mostram, e por algum motivo será. Também há movimentos autênticos que são usados por outros como cortinas de fumaça.

Não se trata de procedimentos novos. São clássicos na História. E se tornaram mais comuns a partir de Napoleão III, na França do século XIX. A coisa é simples: o Brasil está sendo ocupado informalmente. Pela gente que se sabe: CIA, Mossad. Israel acaba de convencer ao governador do Rio Grande do Sul a instalar uma fábrica bélica daquele país em nosso território – alta tecnologia militar. Para quê? A Universidade de Stanford vai instalar um núcleo em Porto Alegre com o beneplácito do poder municipal. Para quê?

Os jovens aparentemente brasileiros que fazem discursos espontâneos na internet não o são, isto é, são versões novas de um novo fascismo em gestação. Lembrem que tanto fascismo como nazismo começaram a se tornar populares a partir da adesão juvenil. A jugulação do movimento sindical e seu atrelamento através de centrais que nada centralizam, deixaram soltos e sem recursos materiais de organização aos trabalhadores brasileiros, com exceção dos petroleiros.

E qual é a posição da presidenta? Me parece que está com uma faca no peito. Não se sabe o que os gringos tenham podido minar dentro de nossos territórios, y explodir em aso de resistência político-popular-institucional. Lembrem todas as jornadas do Grande Irmão na África e no Oriente Médio em geral, inclusive explosões de fábricas de medicamentos, apenas porque estava de mau humor e seu presidente de então seduzia estagiárias.

Atualmente, a coisa acelerou-se desde a morte de Chávez, na Venezuela. Colômbia e Paraguai concentram um arsenal militar considerável sob direção alienígena (EUA). A IV Frota nos vigia. E nosso estado sulino provavelmente se converterá num centro de informação para América Latina do ponto de vista dos interesses do Grande Irmão.

A visita do vice-presidente “deles” deixou um recado muito claro relativamente a uma cooperação “total” em vários aspectos, inclusive na educação e na área militar.

Não há porque reforçar a farsa. Ao contrário, é necessário denunciá-la diariamente. E fazer chegar as informações fundamentais a uma população totalmente dominada pelos conglomerados de comunicação Sony-Time-Life e seus sócios locais.


 Tania Faillace – jornalista e escritora – Porto Alegre, RS




Fonte: http://www.ocafezinho.com/2013/06/28/marcia-denser-milhoes-de-bobos-alegres-apoliticos-e-idiotizados/#

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Os conservadores capturaram a Dilma

 




Dilma vai acabar mais perto do Michel Temer do que do Lula

Curva perigosa à direita – dizia uma das placas.

O Conservadorismo é o grande vencedor das manifestações.

Isso não é paradoxal.

Não há protesto de 100 mil, 500 mil a favor.

O Movimento Passe Livre foi para a rua protestar contra o Haddad e contra Dilma.

A violência da PM de São Paulo e a Rede Globo multiplicaram o fenômeno.

A Globo percebeu o sentido anti-Haddad e anti-Dilma do protesto e o encampou, apoiou, cobriu e lhe deu tela plana, com LSD e em HD.

A Globo passou a cobrir a anomia, o des-Governo até derrubá-lo.

Como dizia aquele amigo, velho comunista, que não caiu na esparrela do PPS: isso aí não dá em nada, ou derruba o Governo.

Acertou.

Derrubou o Governo Dilma e botou no lugar outro Governo Dilma.

O trabalho político passou a se desenvolver na arena da Copa das Confederações.

Por que a Copa passou a ser o alvo ?

Porque a Globo ganha com ela de qualquer jeito e em qualquer lugar: no Maracanã, na África do Sul ou na Coreia.

E para os conservadores e a Globo, a Copa tem uma maldição de origem: o Lula trouxe a Copa e a Dilma a realizará.

O Governo se deixou cercar.

O Governo se trancou na Economia.

E a Economia, como a Guerra, é sub-capítulo da Política (já ouvi isso em algum lugar).

O Governo Dilma não tem canal de voz ou de expressão.

É um leão sem dentes.

Sem microfone.

As redes sociais, claro, aglutinaram os manifestantes.

Mas, Facebook não é urna.

As manifestações se diziam apartidárias e horizontais.

Sem líderes.

Não há 100 mil pessoas apartidárias nas ruas.

A Globo deu o Partido e os líderes.

O partido da oposição e os líderes, seus âncoras pretensamente objetivos.

Esses jovens, fora os chamado “vândalos”, são brancos, estudantes e de classe média.

Ele tem uma renda maior do que os da Classe C que o Lula e a Dilma levaram para a classe média.

Eles devem muito pouco ou quase nada a esse processo de mobilidade social que levou 40 milhões de pessoas à classe media.

Eles já estavam lá.

Eles estão há pelo menos uma geração.

Eles nasceram na classe média.

Eles não respeitam os partidos, os políticos ou a democracia.

E, muitas vezes, nem os pais nem os professores.

Eles “just do it”.

Eles são mais eles.

E não tem nenhum apreço por esses que chegaram agora à classe média.

Esses “arrivistas”.

Esses “penetras” que enchem os aeroportos, os shopping centers, que se sentam ao meu lado na faculdade.

E daqui a pouco vão querer um carro igual ao que papai me deu.

E, imagine !, o emprego que era para ser meu !

Esses manifestantes cresceram com um sentimento difuso de anti-política, anti-partidos, anti-Governo.

Isso se deve, em boa parte, à generalizada despolitização da sociedade brasileira.

Uma juventude que pensa que JK é tônico muscular.

Isso se deve à entre aspas politização fecha aspas, na Globo, do julgamento do mensalão, que mais do que punir o PT foi a fogueira em que ardeu a política.

A ideologia predominante nos altos escalões da Justiça contaminou o país: a política é o pecado.

A virtude está nas Leis, ou melhor, nos Juízes.

Tudo o que cheira a soberania popular fede.

Essa rebelia “desorientada” se valeu da ignorância.

Esses manifestantes – e, na verdade, milhões de brasileiros – não conhecem o Brasil.

Não sabem o que acontece no Brasil.

Por exemplo, não sabem que há 30 anos não se investia em transportes.

Há 20 anos, em São Paulo, o paiol de toda crise, se constroi um metro à velocidade de um quilômetro e meio por ano.

Esse déficit de informação se deve a erro estratégico capital, desses que se inscrevem no centro do sistema sanguíneo de um povo, por gerações.

Por exemplo: ser o último país do mundo a abolir a escravidão.

Outro, derrubar o presidente João Goulart, eleito segundo as regras da Constituição, e instalar um regime militar.

Outro erro grave – de que muitos devemos nos penitenciar – foi derrubar o presidente Collor, cujos pecados poderiam ter sido corrigidos pela Lei e pela Política.

Mas, se cometeu o erro de derrubar o primeiro presidente eleito pelo povo depois do regime militar.

A redemocratização começou por se negar.

Outro erro estratégico, que entope as nossas veias, foi não fazer a reforma agrária simultaneamente à libertação dos escravos, como quiseram dois grandes brasileiros, José Bonifácio e Joaquim Nabuco.

Outro erro estratégico, capital, uma dose maciça de colesterol no sangue.

Foi não criar um sistema estatal – de preferência – ou publico de comunicação de massa.

Informar é obrigação do governante.

E o governado tem o direito de ouvir e, constitucional, ser ouvido.

Nenhuma Democracia do mundo permitiria que a lei que regula a rádio-difusão não se atualizasse desde 1963.

Desde 1994, a Globo controla 80% de toda a verba da televisão aberta.

Em 1994, ela tinha 80% da audiência.

Hoje, tem 45% da audiência.

Mas, não faz diferença.

Os 80% só os mesmos e o bolo da grana aumentou.

E agora ?

O Governo Dilma perdeu.

Vê-se no seu rosto.

O Movimento Passe Livre à aquele personagem de Stendhal que não percebeu que estava no meio de uma batalha de Waterloo.

Dilma pode até ser reeleita, diante da indigência que assola o outro lado.

Mas, dificilmente, ela ressurgirá com a força que o Lula ressurgiu do mensalão.

Lula depois do mensalão preservou o centro de sua política: a inclusão social.

A sobrevivência da Presidenta Dilma corre o risco de se dar – apenas – no espaço conservador do sistema político e parlamentar.

E, nesse cercado de federalistas, udenistas e ruralistas, os jovens manifestante e a Globo convivem muito bem – e em harmonia.

Dilma terá que renunciar a boa parte de seu keynesianismo, porque o mercado perdeu o “instinto animal”- precisa de juros !

Ela terá que mudar a política econômica, caminhar para “ortodoxia” dos credores, porque o ambiente econômico internacional não ajuda – sopra contra.

Dilma terá que tirar dinheiro do PAC para atender às demandas populistas.

Ela não fará uma reforma política para combater o Caixa Dois – porque é disso que se trata -, porque há 19 anos o Congresso imobiliza a reforma política.

“Ouvir as voz das ruas” só seria possível numa Assembleia Constituinte exclusiva.

E, depois, um referendo.

Fora disso, a “voz das ruas” sumirá naquele salão do Athos Bulcao que liga a Câmara e o Senado.

Emudecerá

E a Dilma acabará mais perto do Michel Temer do que do Lula.

O Brasil vai parar ?

Não !

Os mesmos ingredientes também estruturais que farão do Brasil uma Nação prospera estarão preservados.

O rumo é o mesmo.

O que mudou foi o plano de voo.

Mudaram os passageiros.

E o comandante.

Vai mudar tudo.

Desde que tudo continue tudo como estava.

Há 200 anos.

(Já ouvi isso em algum lugar.)


Paulo Henrique Amorim




Fonte: http://esquerdopata.blogspot.com.br/2013/06/os-conservadores-capturaram-dilma.html

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Protesto na porta da Globo





Movimentos que defendem a democratização dos meios de comunicação realizaram na noite de ontem (26) uma plenária no vão livre do Masp, na Avenida Paulista, em São Paulo, para traçar uma estratégia de atuação.

A ideia é aproveitar o ambiente de efervescência política para pautar o assunto. Concretamente cerca de 100 participantes decidiram realizar uma manifestação diante da sede da Rede Globo na cidade, na próxima quarta-feira (3).

A insatisfação popular em relação à mídia foi marcante nas recentes manifestações populares em São Paulo. Jornalistas de vários veículos de comunicação, em especial da Globo, foram hostilizados durante os protestos. No caso mais grave, um carro da rede Record, adaptado para ser usado como estúdio, foi incendiado.

Na plenária de ontem, o professor de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo, Pablo Ortellado, avaliou que os jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, a revista Veja e a própria Globo, por meio de editoriais, incentivaram o uso da violência para reprimir os manifestantes.

 Mas em seguida passaram a colaborar para dispersar a pauta de reivindicações que originaram a onda de protestos, ao incentivar a adoção de bandeiras exteriores à proposta do MPL – até então restrita à revogação do aumento das tarifas de ônibus, trens e metrô de R$ 3 para R$ 3,20.

Os movimentos sociais, no entanto, ainda buscam uma agenda de pautas concretas para atender a diversas demandas, que incluem a democratização das concessões públicas de rádio e TV, liberdade de expressão e acesso irrestrito à internet.

“Devíamos beber da experiência do MPL (Movimento Passe Livre) aqui em São Paulo, que além de ter uma meta geral, o passe livre, conseguiu mover a conjuntura claramente R$ 0,20 para a esquerda”, exemplificou Pedro Ekman, coordenador do Coletivo Intervozes. “A gente tem que achar os 20 centavos da comunicação. Achar uma pauta concreta que obrigue o governo federal a tomar uma decisão à esquerda e não mais uma decisão de conciliação com o poder midiático que sempre moveu o poder nesse país”, defendeu.

“A questão é urgente. Todos os avanços democráticos estão sendo brecadas pelo poder da mídia, que tem feito todos os esforços para impedir as reformas progressistas e para impor uma agenda conservadora, de retrocesso e perda de direitos”, afirmou Igor Felipe, da coordenação de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A avaliação é que apesar de outras conquistas sociais, não houve avanços na questão da democratização da mídia. “Nós temos dez anos de um processo que resolveu não enfrentar essa pauta. Nós temos um ministro que é advogado das empresas de comunicação do ponto de vista do enfrentamento do debate público”, disse Ekman, referindo-se a Paulo Bernardo, da Comunicação.

Bernardo é criticado por ter, entre outras coisas, se posicionado contra mecanismos de controle social da mídia. “Eu não tenho dúvida que tudo isso passa pela saída dele. Fora, Paulo Bernardo!”, enfatizou Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC e coordenador do programa Praças Digitais da prefeitura de São Paulo.

Amadeu acusa o ministro de estar “fazendo o jogo das operadoras que querem controlar a Internet” e trabalhar para impedir a aprovação do atual texto do Marco Civil do setor. “Temos uma tarefa. Lutar sim, para junto dessa linha da reforma política colocar a democratização”, afirmou.

A secretária de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, enfatizou a importância da campanha de coleta de assinaturas para a proposta de iniciativa popular de uma nova lei geral de comunicação.

O projeto trata da regulamentação da radiodifusão e pretende garantir mais pluralidade nos conteúdos, transparência nos processos de concessão e evitar os monopólios. “Vamos levá-lo para as ruas e recolher 1,6 milhão de assinaturas. Esse projeto não vem de quem tem de fazer – o governo brasileiro e o Congresso –, mas virá da mão do povo”, disse.


Fonte:  http://www.rodrigovianna.com.br/geral/20264.html#more-20264

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Quem pariu Mateus que o embale

 



No começo da noite de quinta-feira (20), redes de televisão exaltavam a “beleza” de protestos violentos, ainda que mascarados de pacifistas, que, há quase duas semanas, esmagam o país com medo, incêndios, bombas, tiros, depredações, destruições de todos os tipos, mutilações e, agora, até com morte, como previsto aqui tantas vezes e tão inutilmente.

Todo o horror que se espalhou pelo país foi produto de exigência feita por um grupo de meninos e meninas embriagados com um poder imensurável que adquiriram em questão de dias e que pôs de joelhos um dos maiores impérios de comunicação do mundo e todo o resto do oligopólio comunicacional verde-amarelo, além de políticos, jornalistas e legiões de cidadãos comuns.

Muito poucos entre os que enxergaram o desastre que estava sendo construído tiveram coragem de denunciá-lo, intimidados por hordas de fanáticos que promoviam linchamentos na internet e até nos ambientes sociais e profissionais mais variados contra todo aquele que ousasse dissentir.

A maioria, porém, enxergou exatamente o oposto do que estava ocorrendo. E agora se espanta com o que estava diante de seus olhos e não viu.

Parece ocioso repetir o tamanho do desastre que se produziu no país algumas dezenas de horas após o Estado brasileiro, em suas mais diversas instâncias, ficar de quatro para pouco mais do que adolescentes mimados, que passaram a emitir ultimatos de que iriam “parar” cidades e depois o país se não fossem atendidos.

Por ficar de quatro, entenda-se as autoridades ignorarem todas as condições técnicas de orçamentos municipais e estaduais porque a garotada “não queria nem saber”.

Organizando manifestações de dezenas de milhares de pessoas mesmo lendo em sua página no Facebook as atrocidades que vândalos prometiam promover, um tal de Movimento Passe Livre assumiu o risco de colocar nas ruas hordas de jovens de classe média que têm tempo para passar 15 dias só se dedicando a “parar cidades” e, como se viu depois, o pais.

Algo que possa ser definido como “o povo” pode chegar todo dia, no meio da tarde, a praças públicas e permanecer nas ruas até a madrugada paralisando a vida de quem levanta cedo para trabalhar e, após extensas jornadas laborais, ainda enfrenta outro tanto em salas de aula?

Não a grande maioria deste povo. O brasileiro trabalha duro. Não tem tempo para isso. Nem que fosse por uma causa concreta e racional conseguiria fazê-lo. Temos que sobreviver.

Parece ocioso relatar no que deu o Estado, as autoridades, enfim, a República ficar de quatro para essa criançada e seu novo brinquedo: o poder. E não um poder qualquer, mas um poder discricionário que, após humilhar e impor caprichos a autoridades e aos Poderes constituídos, arrogou a si o direito de impedir liberdades individuais.

Relatei, no primeiro dia útil desta semana trágica, como os “manifestantes pacíficos” passaram a decidir quem poderia ocupar o espaço público usando uma roupa ou portando um símbolo de partido político como bem lhe aprouvesse. Sobretudo sendo de um partido em especial, que, nos dias seguintes, passaria a ser a Geni da República: o Partido dos Trabalhadores.

Na segunda-feira, vi, a centímetros de meu corpo, a única pessoa humilde de verdade em um agrupamento de milhares de pessoas ser atirada ao chão, chutada, agredida, insultada. Uma garota negra de nem 1,6 metro de altura e pesando, no máximo, uns cinquenta quilos.

Por que? Por usar uma camiseta vermelha e portar uma bandeira do mesmo tom com a sigla de seu partido.

Legiões de garotos e garotas se encantaram pelo clima de “Queda da Bastilha” e pelo poder discricionário recém-adquirido, estimulado por impérios de comunicação e por partidos políticos ditos de esquerda.

Esse conclave, mesmo após ter suas exigências atendidas, inundou as ruas com fascistas de ultradireita que bem sabia que levaria consigo, pois os via postando sua truculência em frases na internet que mais se assemelhavam a hieróglifos, de tão ininteligíveis em nosso idioma.

Agora, com a República de quatro, como sempre ocorre com o fascismo – e como se tornou pior com o fascismo infanto-juvenil – o tal “passe-livre” (para o caos?) passou a determinar até que cor de roupa as pessoas podem usar na rua. E o vermelho-PT foi “proibido”.

A pena para quem ousasse desafiar o desígnio dos novos donos do país? Espancamento, no mínimo.

Um amigo fraterno, militante da CUT, assim como a Central Sindical e o PT acreditou ainda viver numa democracia e foi com um pequeno grupo à manifestação da avenida Paulista e lá, assim como no resto do país, foi espancado juntamente com seus companheiros, alguns dos quais foram parar no hospital.

Enquanto isso, cerca de cem cidades brasileiras tiveram, cada qual, seu quinhão de ditadura infanto-juvenil. Petistas, sindicalistas, sedes do PT, todos foram atacados nas maiores, nas médias e até em pequenas cidades por usarem a cor ou o símbolo de suas organizações.

A mídia, que num primeiro momento sentiu medo daquelas crianças armadas de tanto poder, vendo possibilidade que tanto almejou durante a última década para destruir um grupo político ao qual se opõe e não consegue derrotar nas urnas, passou a estimular que as massas descontroladas fossem às ruas, em seguida passando a minimizar o caos resultante, atribuindo-o a “pequeno grupo” que, de tão pequeno, conflagrou um país continental de ponta a ponta.

Como não podia deixar de ser – e estava demorando –, veio o primeiro cadáver.

Ao fim da noite, os telejornais, após todo o caos, toda destruição de palácios, espancamento de pessoas vestidas com cores ou portando símbolos proibidos sob o mote do tal “MPL” que proscreveu partidos políticos das ruas ocupadas, comemorava.

O semblante de alegria midiático se acentuou com a notícia veiculada pela rádio CBN de que o Brasil poderá ser punido se a Copa das Confederações não puder ser realizada até o fim por aqui devido à convulsão social desencadeada por crianças armadas de bombas atômicas.

Melhor que isso, para a mídia que atirou o Brasil em duas décadas de ditadura, só se a Copa do Mundo no país for cancelada, fazendo com que amargue prejuízo financeiro e de imagem irrecuperável, sem falar na crise econômica que a conflagração deverá render, pois as expectativas sobre o futuro pioraram muito em míseras duas semanas.

Ao fim da noite fatídica de quarta-feira, o mesmo movimento que atirou o Brasil em um processo que se espera que a maioria silenciosa saiba repudiar – até porque não aguenta mais –, horrorizou-se com sua obra e, em protesto contra si mesmo, abandonou a manifestação na avenida Paulista. Indignado.


Texto: http://www.blogdacidadania.com.br/2013/06/quem-pariu-mateus-que-o-embale/

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Manual de Ouro do Manifestante Idiota

 

                          Manual de Ouro do Manifestante Idiota - 1

 
 



 




Lutar por avanços não basta! É preciso também pedir o impeachment da presidenta, das 5 primeiras pessoas da sua linha de sucessão e (antecipadamente) de quem for eleito nas próximas eleições. Afinal, pessoas extremamente competentes como você não precisam de representantes.



                     Manual de Ouro do Manifestante Idiota - 2



 
 
 
Lute pelo impossível. Exija transporte público 100% gratuito e diminuição de impostos ao mesmo tempo! Afinal, dizem que no fim do arco-íris está o Pedro Bial montado num unicórnio te esperando com um pote de dinheiro infinito.
 
 
 
Manual de Ouro do Manifestante Idiota - 3
 
 



Não tenha foco! Deixe claro que você tá cagando para 20 centavos e ignore a liderança dos movimentos sociais. Afinal, você está na rua por motivos maiores e só sairá dela depois que o valor do iPhone no Brasil for similar ao valor do iPhone nos EUA.



Fonte: http://esquerdopata.blogspot.com.br/2013/06/manual-de-ouro-do-manifestante-idiota-1.html


terça-feira, 18 de junho de 2013

Ei, reaça, vaza dessa marcha!


    
Não, reaça, eu não estou do seu lado. Não vem transformar esse protesto legítimo em uma ação despolitizante contra a corrupção. Não vem usar nariz de palhaço, não tem palhaço nenhum aqui. Agora que a mídia comprou a manifestação tu vem dizer que acordou?

 O povo já está na rua há muito tempo, movimentos sociais estão mobilizados apanhando da polícia faz muito tempo. São eles os baderneiros, os vândalos, os que atrapalham o trânsito. Movimento pelo transporte, Movimento Feminista, Movimento Gay, Movimento pela Terra, Movimento Estudantil… Ninguém tava dormindo! Essa violência que espanta todo mundo não é novidade, não é coisa de agora. Acontece TODOS os dias nas periferias brasileiras, onde não tem câmera pra registrar ou repórter para se machucar e modificar o discurso da mídia.

 Não podemos admitir que nossa luta seja convertida pela direita numa passeata contra a corrupção.

 Não é uma causa de neoliberais. Não é uma causa pelos valores e pela família. Não estamos pedindo o fim do Estado – pelo contrário! – Esse “Acorda, Brasil” não tem absolutamente NADA a ver com a mobilização das últimas semanas.

 Então se tu realmente acredita que a mídia tá do nosso lado, abre os olhos! São muitas as maneiras de se acabar com um levante: força policial, mídia oportunista, adoção e desconstrução do discurso…

Começou a disputa pelos sentidos da efervescência:

“Não é nem um pouco fácil entender a proporção que as coisas estão tomando no Brasil. Os protestos estão cada vez mais heterogêneos, e amanhã (hoje) vai ser um dia gigante e imprevisível. Protestos são convocados por desde movimentos libertários e autogestionados (que se encontram na gênese das manifestações) até pelas páginas ufanistas/moralistas/udenistas como a antipetista Acorda Brasil, que dissemina desinformação e preconceito de classe. Se esse choque de alteridades pode ser potente, também pode gerar desmobilização numa questão de semanas. Começou a disputa pelos sentidos da efervescência.

Reacionários estão determinados a também sair do facebook e transformar a insatisfação coletiva numa versão inchada do elitista Movimento Cansei, com sua pauta moralista e antipetista. Por outro lado, governistas estão mais preocupados em deslegitimar as manifestações e em blindar os governos petistas, que não se pronunciam sobre o que acontece por não conseguirem compreender o novo, e quando se pronunciam, não conseguem romper com o emcimadomurismo. A multiplicidade de pautas que desaguam nessa insatisfação generalizada torna impossível vislumbrar os rumos que as coisas irão tomar. Será árdua a tarefa de disputá-los.”

 


Fonte: http://cafecomnata.wordpress.com/2013/06/17/ei-reaca-vaza-dessa-marcha/

 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Jornalista agredida pelas costas pela PM fala ao Blog

 


A jornalista Gisele Brito é paulista, tem 27 anos e é repórter da Rede Brasil Atual, empresa jornalística que congrega veículos de rádio e televisão, veículos impressos e um portal de internet, e que é parceira do Blog da Cidadania há vários anos. A RBA está divulgando matéria em que relata o ocorrido com a sua repórter.

Em resumo, na última quinta-feira, em São Paulo, Gisele, no exercício de sua profissão, ao cobrir os protestos contra aumento do preço do transporte público foi vítima de uma agressão impressionante por ter sido praticada por um tenente da Polícia Militar, que, apesar de informado por ela de que estava ali trabalhando como jornalista, agrediu-a pelas costas.

A jovem jornalista atendeu prontamente à solicitação do Blog para lhe conceder uma entrevista e se mostrou especialmente conhecedora da questão que investiga com seu trabalho, oferecendo opiniões interessantes e surpreendentemente racionalizadas – após ter sofrido o que sofreu – sobre o problema que vem afetando grandes centros urbanos do país todo.

Confira, a seguir, a entrevista com Gisele e seu relato impressionante dos métodos de uma Polícia absolutamente despreparada para o fim que justifica sua existência, o de proteger o cidadão, demonstrando que foi pensada, pura e simplesmente, como força punitiva em lugar de uma força promotora de segurança.

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Blog da CidadaniaGisele, o que foi que aconteceu com você nessa manifestação em São Paulo na última quinta-feira? Em qual dos pontos da manifestação você estava?

Gisele Brito – Eu cobri [a manifestação] pela Rede Brasil Atual desde o início, às cinco da tarde. Subi com os manifestantes vindo do centro, pela Consolação, onde ocorreu o primeiro confronto com a Polícia – Que foi… Que é bem agressiva, é importante frisar, porque, mais do que uma agressão direta, como aconteceu comigo, o gás que ela usa é muito agressivo – e, então, houve uma dispersão grande em direção à [avenida] Amaral Gurgel.

Depois voltei à Consolação, minutos após a dispersão, e resolvi subir até a [avenida] Paulista, porque, parecia, lá é que estariam os acontecimentos. Permaneci por ali durante umas duas horas, período em que aquela avenida ficaria interditada para o trânsito.

Os manifestantes tentavam, a qualquer preço, chegar à Paulista pelas ruas transversais, mas havia vários bloqueios e eles não conseguiam. Havia muito gás, muita bomba, então eu não tenho precisão. Mas por volta das nove e meia a Tropa de Choque, a Rocam e a Cavalaria começaram a sair da Paulista e eu voltei com a massa.

Naquele momento encontrei um outro veículo do Terra, a gente estava comentando sobre a violência e procurando um lugar para se sentar, para escrever a matéria e uma equipe da Polícia portando cassetetes veio na direção dos manifestantes, que vinham na nossa direção – estávamos no meio dos dois grupos – e, então, me agrediram.

Blog da CidadaniaVocê foi agredida enquanto estava sentada?

Gisele Brito – Na primeira vez que me machuquei não estava mais sentada, eu tinha me levantado e corrido porque estava claro que a gente não poderia mais ficar ali sentados. Eu me levantei, corri e até bati numa pessoa que vinha em direção contrária, os meus óculos se quebraram e meu olho direito ficou machucado. Aí fiquei um pouco desnorteada e dei as costas à Polícia, mas eu não tinha intenção de correr porque ali no Masp tem uma espécie de um degrau que dá para um vão livre e dali não há por onde sair.

Como não tinha para onde ir, fiquei parada, achando que ficar quietinha ali me salvaria. Foi então que recebi a primeira cacetada, na nuca…

Blog da CidadaniaUm momento, Gisele: você foi atacada pelas costas?

Gisele Brito – Fui. E, depois, levei cacetada nas pernas, também nas nádegas e, quando me virei, já gritando que era jornalista e que estava trabalhando, levei com o cassetete no rosto.

Blog da CidadaniaComo era o policial que a agrediu?

Gisele Brito – Chamou-me atenção que era um dos poucos policiais negros, ali. Registrei bem o rosto dele.

Blog da CidadaniaApós ser agredida, o que fez?

Gisele Brito – Fui me abrigar com um grupo de policiais, onde achei que ficaria mais segura. Até porque eu queria falar com o chefe daquele grupamento para fazer um relato [da agressão], mas não consegui…

Blog da CidadaniaUma pergunta, Gisele: você esteve na manifestação anterior?

Gisele Brito – Estive na penúltima, em Pinheiros. Não na anterior, pois estava acamada. Nessa última, fui designada [pela RBA] para cobrir.

Blog da CidadaniaVocê notou alguma mudança no comportamento da Polícia? Você acha que ela estava mais violenta? A sua visão é a de que a Polícia está em um crescendo de violência?

Gisele Brito – É difícil dizer violência, Eduardo, porque, como eu disse, o gás é muito violento e em todas as manifestações houve uso de gás. Mas, assim, a postura na Paulista foi diferente, eu acho, porque não tinha manifestantes.

Eu vi os policiais jogando gás em ruas vazias. Eu suponho que foi para impedir que entrassem [na avenida], porque o gás fica no ar um período. A Polícia permaneceu na Paulista, durante muito tempo, sem que tivesse aglomeração. Quem fechou a Paulista, ontem, foi a Polícia.

Nos dois atos que eu cobri, como jornalista, percebi que em todos os confrontos a Polícia não usou o gás para terminá-los, mas para direcionar para onde a marcha iria, para dispersar a massa.

Blog da CidadaniaAndam dizendo que a pessoa que se identifica como jornalista achando que com isso obterá respeito do policial, predispõe esse mesmo policial a agredir por que a Polícia, supostamente, não gosta de jornalistas. O que você acha dessa afirmação?

Gisele Brito – Ah, não sei… Não sei se percebi isso na situação que eu vivi…

Bem, o repórter da Carta Capital fez um vídeo em que o policial ironiza o fato de ele ser repórter. Dizia: “Pode filmar, pode filmar…”, mas não percebi isso pessoalmente.

O que eu acho é que o próximo ato vai ser maior, porque a violência policial infla a causa dos manifestantes. Mas acho que os repórteres, por certo, vão ter uma postura mais cuidadosa e isso pode comprometer a capacidade deles de mostrar o que está acontecendo.

Para você poder relatar uma agressão que alguém está sofrendo ou mesmo uma agressão que a Polícia estiver sofrendo é necessário que você esteja onde as coisas estão acontecendo e se nesses lugares o trabalho do jornalista não é assegurado pela Polícia, eu imagino que a postura do jornalista vai ter que ser diferente.

Eu, por exemplo, agora teria muito medo de me encontrar sozinha com o policial que me agrediu.

Blog da CidadaniaGisele, sabemos que esse tipo de confronto violento entre manifestantes e policiais ocorre inclusive em países ricos. A sua percepção é a de que as coisas se desenrolam aqui como naqueles países ou aqui o resultado desses confrontos é diferente, para pior?

Gisele Brito – A nossa Polícia tem problemas de modo geral. Agora: se ali, na Paulista, cheio de repórteres, cheio de câmeras, com manifestantes, em grande parte estudantes da maior universidade do país, sendo muitos de classe média, acontece tudo aquilo, o que não acontece nas periferias?
Imagine o que ocorreu nos atos da M’Boi Mirim, imagine como é nas noites do Capão, nas noites do Clímaco, nas ocupações…

Eu acho que a gente tem uma Polícia que não está preparada para lidar com a cidadania. Infelizmente, a gente tem um passivo do período escravocrata, dos períodos ditatoriais e que não foram passados a limpo e, assim, temos a mesma Polícia hoje.

Eu cobri o primeiro julgamento do Carandiru. O que me chamou a atenção é que os policiais que foram julgados, bem como seus advogados, dizem que a Polícia entrou no presídio para “evitar mortes de presos” porque os presos estariam numa briga que poderia gerar tais mortes. Bom, essa mesma Polícia gerou 111 mortos.

A Polícia fechou a Paulista para impedir que os manifestantes impedissem o trânsito e foi a Polícia que impediu o trânsito. Ela vai dizer que tentou impedir a violência, mas ela praticou a violência. A gente não tem uma Polícia preparada.

Blog da CidadaniaGisele, você acredita que esse movimento contra o aumento das passagens teria como mudar de métodos para que a situação não chegasse a esse ponto de tensão ou você acha que os manifestantes estão numa linha correta que não tem o que mudar por estarem fazendo o que precisa ser feito e como deve ser feito?

Gisele Brito – Eu concordo com as pessoas que estão na linha de frente do Movimento Passse Livre (MPL). É uma manifestação muito grande e você não tem como controlar todas as pessoas.

Eu vi, várias vezes, brigas, discussões entre os manifestantes porque um queria tacar fogo, fazer uma barricada com fogo e outro achava que essa não seria a melhor estratégia. Algumas pessoas querendo destruir lixeiras e outras dizendo que aquilo não deveria ser feito. Algumas pessoas querendo impedir o fluxo do trânsito e outras dizendo que aquilo não era a melhor coisa a se fazer…

Ontem eu vi o designado pela manifestação para negociar com a Polícia. Parecia ser um rapaz de não mais de vinte anos e estava tentando negociar…

Eu acho que o pessoal da organização do MPL não tem como evitar que um ou outro faça atos de vandalismo.

Blog da CidadaniaDesculpa, Gisele, uma pergunta: o que você descreve parece um movimento anárquico. Seria isso ou não é bem isso?

Gisele Brito – Não, acho que não é um movimento anárquico.

Blog da Cidadania Então tem uma organização centralizada?

Gisele Brito – Tem uma organização central, mas o MPL é composto por muitos grupos. Tem pessoas de partidos tentando mediar, tem organizações sindicais fazendo mediação, mas, também, tem, aparentemente, grupos de anarquistas.

É um movimento que faz “uma nova política”, que está fora dos partidos, com movimentos sociais que assumem, que falam, que vão à frente, e com uma molecada que está no Facebook e que discute os detalhes das marchas, por onde vão etc., na rede social.

Para o pessoal mais maduro parecem meio anárquicos, mas eles têm uma organização.

Blog da CidadaniaVocê acredita, Gisele, que se essa organização dissesse “Nós não vamos à rua”, as pessoas não iriam mesmo ou iriam de qualquer jeito? Complementando, vi um dirigente do MPL dando entrevista ao Estadão e o que ele dizia era que se o seu grupo anunciasse que não iria à rua não adiantaria nada porque alguns iriam de uma forma ou de outra.

Você acha que o MPL mantém, ainda, condição de impedir alguma coisa?

Gisele Brito – Ontem começaram a surgir vários perfis “fakes” no Facebook convocando uma manifestação para hoje [sexta-feira, 14].  Porém, no perfil oficial do MPL foi anunciado que não, que a manifestação seria para segunda ou terça-feira, não me lembro direito…

O ato, quem chama, é o perfil do MPL no Facebook. Se o MPL não tivesse chamado o primeiro ato, as pessoas não teriam se organizado espontaneamente. Mas acho que se o perfil do MPL não fizer novas convocações, outras pessoas vão fazer e vão se reproduzir na internet do mesmo jeito.

Blog da CidadaniaEntão o movimento ficou incontrolável e as pessoas estão mesmo saindo de casa e indo àquele lugar para fazer o ato independentemente de qualquer orientação…

Pergunto: suponhamos que o governo recue da decisão de não reduzir o preço das passagens. Você acha que o movimento ficaria satisfeito com isso ou seria possível que continuasse na rua até obter a tarifa zero?

Gisele Brito – Eu acho que o movimento continuaria existindo pela tarifa zero…

Blog da CidadaniaMas nesse molde em que está?

Gisele Brito – Não sei… Acho que se a tarifa baixasse o ato perderia força. No entanto, o objetivo do MPL é convencer as pessoas de que elas têm direito de usar o transporte público sem pagar. Primeiro, estão fazendo campanha pela redução, que é mais factível pôr na cabeça das pessoas, pois muita gente ainda acredita que tem que pagar para usar o transporte público.

Mas eu acho que daqui a seis meses ou daqui a duas semanas, eles voltariam [à rua] para pedir a tarifa zero… Mas também não sei porque não sou da organização.

Blog da CidadaniaGisele, por sua proximidade profissional ao ter que cobrir as ações desses movimentos, você conseguiu descobrir se em alguma outra metrópole de qualquer outra parte do mundo que tenha um sistema de transporte público tão grande e complexo, com metrô, existe um sistema de tarifa zero para todos, indiscriminadamente?

Gisele Brito – Faz mais ou menos um ano fiz uma entrevista com o Lucio Gregori, secretário municipal de transportes de São Paulo na gestão de Luiza Erundina [1989-1992]. Ele foi a primeira pessoa, em São Paulo, que propôs a tarifa zero.

Seu projeto baseava-se em cobrar imposto progressivo [onde os mais ricos pagam mais] e com esse dinheiro bancar o transporte público; ele dizia que essa é uma decisão meramente política.

Blog da CidadaniaO que se nota, Gisele, é que é uma tese para a humanidade, porque o que eu pude apurar – e é isso que eu quero que você me responda, porque até agora tem sido difícil de obter essa resposta – é que em pequenas cidades dos Estados Unidos ou da Europa, por exemplo, tem passe livre, ou tarifa zero. Mas sobre grandes metrópoles, com metrô, sistema viário complexo, etc., não se tem notícia de nenhuma que dê transporte de custo zero para todos. Você saberia se existe algum centro urbano que chegou a isso?

Gisele Brito – Acho que algumas pessoas citaram, em algumas matérias, mas eu não me lembro, de cabeça…

Mas, enfim, acho que a gente paga R$ 3,20 de tarifa e se a gente cobrasse imposto de toda a população poderíamos pelo menos ter um custo menor. Se não fossem só os trabalhadores – que usam o transporte público – que pagassem, a gente poderia diminuir.

Blog da CidadaniaGisele, seria lícito concluir que parte da sociedade não confia mais nas Casas Legislativas para travar esse debate? Ou seja: esse setor da sociedade entenderia que os políticos não estão se sensibilizando e, assim, recorre a uma postura do tipo “Daqui a gente não sai se não baixar a tarifa” e, depois, “Daqui a gente não sai se a tarifa não for zero”?

Seria isso?

Gisele Brito – Eu acho que é uma coisa que pode estar acontecendo na sociedade, mas essa descrença total não é a principal característica. O Passe Livre, aqui em São Paulo, teve grande participação de vereadores, que se juntaram à causa e chegaram a levantar que haveria inconsistência nos valores das tabelas de custos apresentadas à prefeitura.

Esses vereadores, neste ano, não estão dando apoio ao Passe Livre. Mas o que eles disseram, em audiência pública, é que o preço das tarifas não é estabelecido pelo Legislativo, mas por decreto do Executivo.

Nesse aspecto, há uma proposta interessante do prefeito Fernando Haddad para usar os recursos da Cide para subsidiar o transporte público.

Blog da CidadaniaAgora uma questão pessoal. Após o trauma porque passou por conta dessa covardia da Polícia, você se sente preparada para voltar a cobrir essas manifestações outras vezes. E você não acha que o governador Geraldo Alckmin, com as suas declarações um tanto quanto intolerantes, estaria estimulando a sua Polícia a se sentir liberada para “descer o pau” nos manifestantes?

Gisele Brito – É, as declarações do Alckmin são sempre nessa direção. Quando você diz que “Quem não reagiu está vivo”, está sinalizando, para a Polícia, nessa direção. O policial deve saber o que faz ou não com uma arma na mão, mas as declarações do governador não têm sido exatamente felizes.

Blog da CidadaniaE o seu preparo para continuar esse trabalho, Gisele?

Gisele Brito – Eu vou continuar, é o meu trabalho, eu não tenho opção. Eu sou uma trabalhadora como qualquer outro. Mas com certeza eu e outros jornalistas vamos estar com medo e esse medo irá atrapalhar o nosso desempenho.

Blog da CidadaniaPois é, Gisele, trata-se de um drama contemporâneo e urbano. Todo trabalhador deve sentir exatamente isso, numa cidade como São Paulo. Sai de casa todo dia sabendo que pode ser agredido, pode tomar um tiro até da Polícia…

Enfim, Gisele, acho que todos estamos muito tristes com tudo isso e, neste caso em particular, quero me solidarizar com você e colocar este espaço à sua disposição.

Gisele Brito – Obrigada.


Fonte: http://www.blogdacidadania.com.br/2013/06/jornalista-agredida-pelas-costas-pela-pm-fala-ao-blog/

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Parar cidades não é um direito




O artigo 5º, inciso XVI da Constituição Federal de 1988 reza que “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

O direito de reunião e de manifestação coletiva da liberdade de expressão confere aos cidadãos o direito de se associarem temporariamente diante de um interesse comum àquele grupo social ou mesmo ao conjunto da sociedade.

O texto constitucional em questão não se refere tão somente às reuniões estáticas, em específico local aberto ao público, mas, também, a manifestações em percurso como passeatas, comícios, desfiles etc.

O direito constitucional de reunião e manifestação, porém, protege a outra parte, o indivíduo que não quer se unir àquele ato ou que não concorda com as ideias dos manifestantes.

Trocando em miúdos: o meu direito termina onde começa o seu.

Posso, assim, manifestar-me nos espaços que são de todos – ditos espaços públicos – contanto que não impeça que você use esses espaços da mesma forma sem ser afetado pelas minhas ações. Se para exercer o meu direito de manifestação e de expressão eu violo o seu, não há lei que me ampare.

Pode-se discordar da lei, pode-se pregar contra ela, pode-se querer mudá-la e tentar fazê-lo por meio de propaganda ou de ações nas instituições em que as leis são feitas, reformadas ou suprimidas – o que seja, nas Casas Legislativas.

Todavia, o que não se pode, em uma democracia, é o indivíduo simplesmente descumprir a lei ao seu bel prazer, pois fazê-lo equivale a sobrepor quem o faz ao restante da coletividade.

O Movimento Passe Livre e os partidos políticos que o orbitam têm convulsionado a capital paulista com vistas não só a anular o aumento das tarifas de ônibus e metrô recém-decretado pelos governos do Estado de São Paulo e pela prefeitura paulistana, mas implantar o transporte público gratuito no país.

Ressalva: essas organizações têm todo o direito de promover suas teses e de ocupar espaços públicos com esse fim.

O que o artigo 5º, inciso XVI da Constituição Federal não assegura, porém, é o porte de armas – sejam revólveres, bombas ou mesmo paus, pedras e até líquidos inflamáveis com vistas a provocar incêndios, cujo potencial de causar danos à integridade física das pessoas é absolutamente claro.

Mas as restrições da lei ao direito de reunião não terminam aí. O direito constitucional de reunião e manifestação não inclui obrigar alguém a se juntar àquela manifestação.

Ora, o mote das manifestações que estão intimidando a capital paulista é “Se a tarifa não baixar, a cidade vai parar”. Essa premissa afronta a Constituição Federal e subverte o direito que ela concede aos cidadãos de se reunirem e de se manifestarem em espaços públicos.

Parar uma cidade que congrega quase onze milhões de almas não é um direito de grupos isolados. Até o Estado só pode “parar” uma cidade diante da decretação de “Estado de Sítio”, “Estado de Defesa” ou “Toque de Recolher”, decretados por força de grave ameaça à segurança da coletividade.

O artigo 136 da Constituição Federal outorga ao Presidente da República a prerrogativa de, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar “Estado de Defesa” para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou por calamidades de grandes proporções na natureza.

Essa é a única situação admissível para se “parar” uma cidade. Interferir na vida de milhões de cidadãos “paralisando” uma cidade, portanto, não é um direito civil.

Quando um grupo de cidadãos impede o funcionamento e a circulação da coletividade sob uma decisão monocrática, trata-se de uma ilegalidade, de uma afronta ao texto constitucional e, acima de tudo, um ato de truculência.

Nem que um dos dirigentes do Movimento Passe Livre ou de um dos partidos que o orbitam estivesse no poder, que fosse o presidente da República, o governador do Estado ou o prefeito da capital paulista teria “direito” de paralisar São Paulo a fim de obrigar qualquer outra instância de poder a cumprir sua vontade. Seria preciso que existisse uma justificativa para essa paralisação.

Quando digo que vou “parar” uma cidade, estou negando à sua população o direito de transitar por ela, de prosseguir com sua vida. E, se tomo tal medida com base na visão sectária do meu grupo (político ou não) e, ainda pior, sem ter a legitimidade que advém do voto, estou cometendo uma violência contra a coletividade.

Os integrantes do Movimento Passe Livre, aliás, deixam claro que “o problema não são os vinte centavos a mais na passagem, mas os R$ 3,20 que ela custa”. O que esse movimento quer, pois, é passagem gratuita para todos.

Ninguém pode ser contra a que uma megalópole como São Paulo ofereça ao seu povo transporte gratuito. Contudo, que país ou cidade em todo mundo conseguiu essa façanha? Que cidade do porte da capital paulista, seja de que parte do mundo for, consegue oferecer transporte cem por cento gratuito à população?

Não é uma ambição pequena que o Movimento Passe Livre acalenta. E por certo não pode ser satisfeita por meio da chantagem e da intimidação.

O Movimento Passe Livre impõe como condição para suspender as tentativas de paralisar São Paulo que a tarifa de ônibus e metrô volte a R$ 3.

Outras cidades cederam a esse movimento. Se não fosse a ameaça de “parar a cidade”, portanto, o governo paulista e a prefeitura paulistana poderiam ceder, ao menos temporariamente, enquanto as negociações avançam.

O grande problema é ceder sob chantagem, sob uma postura dos manifestantes que afronta a lei.

Se o Estado e a prefeitura cederem, que outras chantagens serão impostas?

Um exemplo: e se cinco mil motociclistas decidirem que devem ter reservadas para si 50% das vias públicas e os automóveis, ônibus e caminhões que se virem com o resto? E se, para obterem tal privilégio, decidirem “parar a cidade”?

Cedendo ao Movimento Passe Livre, qualquer grupo que conseguir reunir um pequeno batalhão de cinco mil pessoas poderá chantagear esta ou qualquer outra cidade com qualquer tipo de pleito, dos mais justos aos mais absurdos, pois pode-se fazer chantagem sob qualquer tipo de motivação.

Coquetel Molotov

Militantes do Movimento Passe Livre e dos partidos políticos seus aliados acorreram a este Blog para afirmar que não haveria provas da acusação da Polícia Militar de que coquetéis molotov foram usados nas manifestações que convulsionaram São Paulo recentemente.

De fato, trata-se de uma afirmação de um oficial da PM que comandou a repressão às manifestações. Não há prova de que esse artefato específico foi usado.

Por conta disso, um desses militantes acusou este Blog de “mentir”. Todavia, a afirmação se baseou em farto noticiário que dava conta de que coquetéis molotov teriam sido usados.

Sendo ou não coquetel molotov o que desencadeou incêndios de ônibus, guaritas da Polícia, sacos de lixo e outros materiais na região central de São Paulo, o fato é que não se provoca incêndios usando um insqueirinho – é preciso algum líquido inflamável, no mínimo.

Dessa maneira, mantém-se, aqui, pergunta feita em postagem anterior: para que levar a manifestação pacífica inflamáveis, paus, pedras e rojões (que foram vistos e ouvidos nas manifestações) como o que tirou a vida de um boliviano durante uma partida de futebol?

Independência ou morte

Há muito, este blogueiro optou pela liberdade total – ou quase total, porque liberdade total não existe – para decidir a sua própria vida.

Minha vida não é fácil do ponto de vista financeiro, como a de tantos outros brasileiros. Mas poderia ser mais fácil se eu trabalhasse em uma empresa.

Em nome da minha liberdade, porém, há quase duas décadas decidi trabalhar por conta própria, ganhando menos, mas sendo feliz.

A liberdade de decidir sobre o que penso ou faço é o bem que mais prezo. Prefiro morrer a me submeter aos ditames de qualquer um.

Posso ser convencido a mudar de ideia ou a fazer qualquer coisa que inicialmente não queira, mas não posso ser obrigado. Só, talvez, sob tortura.



Fonte: http://www.blogdacidadania.com.br/2013/06/parar-cidades-nao-e-um-direito/

terça-feira, 11 de junho de 2013

À beira do abismo



Os EUA no abismo, de Ellsberg a Snowden 

Paulo Moreira Leite 

 
A perseguição a Edward Snowden é um episódio típico de nosso tempo.

Antigo funcionário da CIA, responsável pela revelação de que o governo americano possui uma máquina de espionagem de dimensões que superam temores que até ontem comentaristas de ar arrogante definiriam como “paranoia”, Snowden é o mais novo fugitivo da liberdade de expressão.

Encontra-se no mesmo patamar no qual o soldado Bradly Manning aguarda julgamento, pelo vazamento de milhares de documentos do Departamento de Estado, que derrubaram diversas máscaras da diplomacia norte-americana. Também lhe faz companhia, claro, Julian Assange, o criador do Wikileaks, até hoje à espera de um salvo conduto na embaixada do Equador em Londres.

O patrono desses personagens típicos da sociedade de comunicação de massas chama-se Daniel Ellsberg, o cidadão que em 1971 fez o favor de revelar, através do New York Times, os célebres papéis do Pentágono. Ali, um conjunto de documentos secretos mostrava que o governo dos EUA sabia perfeitamente que a guerra do Vietnã era uma causa perdida, mas preferia seguir enviando os jovens pobres e negros  da América para a morte em vez de enfrentar a elite imperial americana e negociar uma saída pacífica.

O destino de Ellsberg e de seus sucessores contém lições didáticas sobre nosso tempo.

Ellsberg foi perseguido, julgado – e absolvido. Nos anos 1970, os Estados Unidos estavam em guerra e seu gesto foi tratado como uma traição, pois ele proporcionava “conforto ao inimigo”.  O New York Times foi alvo de censura e, durante duas semanas, impedido de circular, fato raríssimo na história americana.

Mas considerou-se que Ellsberg  tinha o direito de revelar aos cidadãos americanos informações que eram de seu legítimo interesse. Um esforço de agentes secretos da Casa Branca para desmoralizá-lo terminou em fiasco e seus detalhes vieram a público. Descobriu-se que homens de confiança do governo Nixon haviam tentado penetrar em seus arquivos médicos para retratá-lo como louco. Foi mais um motivo para que Ellsberg fosse considerado inocente, deixando o escândalo para entrar na história da luta contra a guerra do Vietnã e da liberdade de expressão.

Quatro décadas depois, a situação é outra. Não há hipótese de Bradley Manning ser considerado inocente, ainda que seja impossível apontar um único caso em que as informações que ajudou a revelar tenham ameaçado vidas humanas ou causado prejuízos a interesses legítimos da política externa americana. Em nenhum momento se demonstrou que Manning não tinha o direito (ou quem sabe o dever) de divulgar as informações a que teve acesso.

Num sintoma do momento político, não se questiona a natureza de suas acusações nem se pergunta se o melhor local para um julgamento onde as liberdades civis estão em jogo é um tribunal militar – onde a questão disciplinar irá sobrepor-se sobre qualquer outra consideração.

Na perseguição a Assange, não falta sequer uma anedota pessoal, como ocorreu com Ellsberg. No caso, é uma obscura acusação de estupro feita na Suécia. 

No mundo de Ellsberg um “traidor” saiu livre do tribunal.

Herbert Marcuse, um dos mestres da contestação nos tempos de Ellsberg, fez uma crítica conhecida da sociedade contemporânea. Dizia que ela criava o homem unidimensional, aquele que não convivia com contradições nem conflitos, enxergando a realidade a partir de suas aparências e mistificações. Marcuse era uma ótima leitura nos anos 1960, mas é curioso imaginar o que poderia ter escrito sobre o mundo de hoje.

Manning, Assange e Snowden não são personagens fora de lugar. São rebeldes num  mundo conformista, onde a democracia costuma ser posta à prova com frequência surpreendente pelo governo norte-americano.

A perseguição implacável aos responsáveis pelo vazamento do Wikileaks e pela reportagem que denunciou o tamanho da espionagem mundial dos EUA fazem parte da mesma máquina que produziu e protege Guantánamo, onde cidadãos acusados de terrorismo foram sequestrados e torturados e já passaram mais de dez anos na prisão.

Como não há provas substanciais contra eles além de  inaceitáveis declarações prestadas sob tortura, que a decência impede que sejam chamadas de “confissões“, palavra que tem o pressuposto de terem como base a verdade, a única atitude razoável seria mandar todos para casa após tanto tempo.

Como ocorria no Vietnã, falta coragem – e força política – para enfrentar os erros e contradições do império.

Não é pura coincidência que pelo menos um personagem  tenha frequentado esses dois momentos.

A abertura dos arquivos das operações contra Ellsberg revelou que nos bastidores do governo Nixon já atuava um assessor presidencial chamado Donald Rumsfeld. Quatro décadas depois, como secretário de Defesa de George W. Bush, Rumsfeld foi denunciado pela liberação da tortura como método de investigação militar depois do 11 de setembro.

O personagem do momento é Barack Obama, que oferece uma nova prova de melancólica fraqueza política para dar um mínimo de coerência entre palavras e atos. Como  Marcuse poderia ter dito, o homem unidimensional atingiu um nível absoluto no governo Obama.

Suas decisões e gestos são movimentos de uma máquina implacável, que avança sobre direitos que se pensava sagrados e devora conquistas de valor histórico.

O desrespeito às liberdades individuais e privacidade de milhões de pessoas mostra uma postura sem freios nem pudores para defender aquilo que a Casa Branca considera seus interesses.

Imagine o destino reservado a quem pretender confrontá-los, não é mesmo?

A própria sociedade americana mudou. Há 40 anos, houve uma reação de solidariedade a favor de Ellsberg. Com o New York Times sob censura, o Washington Post, que havia tomado o furo, passou a divulgar os papéis do Pentágono, oferecidos pelo mesmo Ellsberg. E agora?

Pouco a pouco, muitas publicações que divulgaram os textos do Wikileaks preferiram tomar distância de Julian Assange. 

O julgamento de Bradley Manning ocorre em ambiente de segredo, e isso não gera grande emoção dentro ou fora dos Estados Unidos. Edward Snowden já é descrito como “delator” pelos meios de comunicação – palavra que envolve um juízo negativo e aponta para a criminalização de um gesto político.

Em declaração recente, o já velhinho Ellsberg voltou à cena e declarou que a democracia encontra-se à beira do abismo, nos EUA – e é bom refletir sobre o que ele diz.