sexta-feira, 7 de junho de 2013

Justiça e soberania condicionadas

                                                             Manuel E. Yepe
 
 
A Guatemala tem sido a fonte de contraditórias notícias que envolvem dois ex-presidentes dessa nação da América Central e questionam aspectos medulares do exercício de sua soberania nacional e o funcionamento de seu sistema judicial.
 
Grande espanto causou na América Latina o fato de que seria suspensa a sanção de 80 anos de prisão por genocídio, imposta ao ex-ditador guatemalteco Efraín Ríos Montt.
 
A Corte de Constitucionalidade, máximo tribunal da Guatemala, anulou, segunda-feira, 20 de maio, a pena de 80 anos de prisão por genocídio e crimes de lesa humanidade, imposta em 10 de maio, ordenando que o julgamento retornasse ao estado em que se encontrava, em 18 de abril, por supostas violações do devido processo.
 
Alegou-se que a presidenta do tribunal reatou o julgamento, em 30 de abril, sem esperar a decisão da máxima instância acerca de um recurso apresentado pela defesa de Ríos Montt.
 
Em virtude dos poderosos interesses políticos e grandes recursos financeiros que respaldam o ex-general, é obvio que se está pondo à prova a solidez da justiça na Guatemala.
 
Em solidariedade com as vítimas e como repúdio à anulação da sentença, tiveram lugar manifestações em varias nações latino-americanas e na capital da Guatemala teve lugar um protesto que, segundo declarou um dirigente do Centro de Ação Legal dos Direitos Humanos (Caldh), que participa do processo judicial como querelante, teve como propósito fazer "com que o mundo conheça do genocídio que padeceram os indígenas ixiles nesse país e denunciar as tentativas para deixá-lo impune".
 
Quando se soube da decisão condenatória inicial, o júbilo era porque seria a primeira vez que um tirano — dos tantos que Washington tem utilizado como cabeça nos países que considera seu quintal — pagaria por seus crimes, embora a pena imposta parecesse leve em comparação com a gravidade dos crimes cometidos.
 
Se bem o verdadeiro culpado — o governo dos EUA — não aparecia entre os julgados, o mérito maior da surpreendente condenação era justamente seu caráter inédito.
 
Treinado na Escola das Américas, o general Efraín Ríos Montt governou a Guatemala durante dois anos (1982-83) após assumir o poder, mediante um golpe militar, como estreito aliado de Washington. É considerado responsável por 1.771 mortes, 1.400 violações dos direitos humanos e pelo desalojo de mais de 29 mil indígenas.
 
Em dezembro de 1982, o presidente Ronald Reagan foi à Guatemala, para elogiar o ditador Ríos Montt "por seus esforços e dedicação à democracia e à justiça social". Poucos dias depois, foram massacrados pelos militares 251 homens, mulheres e crianças, na localidade de Las Dos Erres.
 
Característico da política de dúbia moral em matéria de direitos humanos do governo dos EUA, em suas relações externas, é o apoio que oferece a "seus" tiranos, tornando invisível seus desmandos, enquanto demoniza os governantes indóceis. Tudo isto, com o apoio de sua maquinaria da mídia e de sua inescrupulosa diplomacia dos dólares.
 
A condenação de Ríos Montt fez lembrar vários casos de ditadores genocidas, como Francoise Duvalier, no Haiti; Anastásio Somoza, na Nicarágua; Alfredo Stroessner, no Paraguai; Humberto de Alencar Castelo Branco, no Brasil; Rafael Leonidas Trujillo na República Dominicana; Fulgencio Batista, em Cuba; Augusto Pinochet, no Chile e tantos outros que na América Latina ficaram impunes, para vergonha da humanidade.
 
O outro processo que comoveu a atualidade guatemalteca tem características diferentes, embora em muitos aspectos existam semelhanças. Foi a surpreendente extradição para os Estados Unidos, sexta-feira, 24 de maio, do também ex-presidente guatemalteco Alfonso Portillo, reclamado pela justiça dos Estados Unidos, pela suposta utilização de bancos nesse país para a lavagem de US$ 70 milhões do erário guatemalteco.
 
O caso começou em maio de 2011, quando o tribunal penal se pronunciou a favor de Portillo, a quem o Ministério Público tinha acusado de peculato, pelo desvio de verbas do Ministério da Defesa.
 
Em abril de 2013, uma Sala de Apelações confirmou a sentença absolutória do Tribunal mas, em 15 de maio, a Câmara Penal da Suprema Corte de Justiça rejeitou o recurso de cassação, apresentado pelo ex-presidente contra a sentença absolutória, para evitar que fosse aprovada a decisão da Sala, que confirmou sua inocência pelo delito de peculato e assim impedir sua extradição.
 
A Guatemala encontra-se no vórtice dum conflito mais político que jurídico, onde a intromissão estadunidense nos assuntos internos do país parece desempenhar um papel determinante.
 
 

 

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